segunda-feira, 11 de maio de 2009

Aloysio Biondi, um jornalista sacerdote

*Leon Bevilaqua


Muita gente já passou a celebrar a vida e a obra do jornalista econômico Aloysio Biondi, um paulista patriota que teve atuação marcante na segunda metade do século passado.
Ele nasceu em Caconde, pequena cidade de São Paulo, no ano de 1936, tendo morrido no ano de 2000, na cidade de São Paulo, aos 64 anos. Destacou-se pelo seu trabalho na imprensa alternativa, com a qual colaborou durante toda a vida, principalmente no período em que foi colaborador do jornal Opinião- na década de 70.
Foi autor do livro reportagem O Brasil Privatizado- um balanço do desmonte do Estado, que já vendeu mais de 125 mil exemplares e se tornou fundamental para se compreender o governo de Fernando Henrique e o empobrecimento da nação por ele provocado.
Trabalhou em diversas publicações da grande imprensa brasileira, entre elas as revistas Veja e Visão, os jornais Gazeta Mercantil, jornal do Comércio, Folha de São Paulo e outros.
Segundo Jânio de Freitas, como características de sua trajetória de vida, foi independente, patriota combativo, ético e capaz nas análises econômicas por ele efetuadas. Considerado por muitos um sacerdote do jornalismo, ninguém soube como ele o sentido real, os pormenores e as conseqüências das decisões econômicas e monetárias.
Por ocasião da nefasta privatização empreendida por Fernando Henrique Cardoso, que se notabilizou pela submissão do governo brasileiro aos interesses de outros países, foi, como Celso Furtado, voz da reserva moral e intelectual da nação que se colocou contra aquela decisão de governo.
Como tópicos importantes do seu livro O Brasil privatizado, transcrevemos os seguintes textos:

1- “ A febre da privatização e o impulso ao chamado neoliberalismo teve seu ponto de partida na Inglaterra, com a primeira ministra Margaret Thatcher. Mas mesmo a ‘dama de ferro’ fez tudo diferente do governo Fernando Henrique Cardoso: a privatização inglesa não representou a doação de empresas estatais, a preços baixos, a poucos grupos empresariais. Ao contrário: seu objetivo foi exatamente a ‘pulverização’ das ações, isto é, transformar o maior número possível de cidadãos ingleses em ‘donos’ de ações, acionistas das empresas privatizadas. Não foi só blábláblá, não. O governo inglês criou ‘prêmios’, incentivos para qualquer cidadão comprar ações: quem não as revendesse antes de certo prazo tinha o direito de ‘ ganhar’ determinadas quantias, em datas já marcadas no momento da compra (o sistema se baseava na distribuição de custumer vouchers, espécie de cupons que eram trocados por dinheiro nos prazos previstos). Ou ainda: após três anos, os acionistas que tivessem guardado as ações podiam ganhar também ‘lotes extras’ dos títulos, geralmente na proporção de 10% sobre o número de ações compradas. Isto na Inglaterra de Thatcher, nos anos 80. Na França, a mesma coisa. Na privatização parcial das empresas de telecomunicações, em 1998, nada menos de 4 milhões de franceses compraram ações, graças aos atrativos oferecidos pelo governo.”

2- “ Numa sexta-feira, cinco dias antes do leilão de ‘privatização’ da Cemig, empresa de energia de Minas Gerais, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou um decreto revolucionário. Por ele, o BNDES ficou ‘autorizado’ a –leia-se ‘recebeu ordens para’- conceder empréstimos também a grupos estrangeiros. Reviravolta histórica- e inconcebível. Criado para dar apoio ao desenvolvimento nacional, o banco estatal se concentrou inicialmente no financiamento a projetos de infra-estrutura e, posteriormente, como instrumento de política industrial, recebeu a incumbência de criar condições de competição para grupos nacionais. Para cumprir esse papel, o BNDES estava proibido por lei de financiar empresas estrangeiras. O decreto presidencial de 24 de maio de 1997 escancarou os cofres do BNDES às multinacionais, para que comprassem estatais. Isto ao mesmo tempo que o banco continuava proibido de conceder empréstimos exatamente às estatais brasileiras, incumbidas dos setores de infra-estrutura e básicos. Na quarta-feira seguinte, um grupo norte-americano comprou um bloco de um terço das ações da Cemig por 2 bilhões de reais, com metade deste valor financiado pelo BNDES.

3- “ Proibir um banco estatal de financiar empresas estatais, de setores vitais para o país, é uma decisão esdrúxula. Mas, no caso do BNDES, chega à beira da insanidade, porque esse banco, como o próprio nome-Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (e Social)-diz, foi criado no governo Juscelino Kubitschek exatamente com o objetivo de fornecer recursos para a execução de projetos de infra-estrutura, que exigem desembolso de bilhões e bilhões- e precisam de alguns anos para a sua execução. Mais especificamente, dentro da filosofia desenvolvimentista do governo de JK, o BNDES disporia de recursos retirados do Imposto de Renda ( e outras fontes de ‘impostos’, como o PIS-Pasep), para permitir a construção de Usinas hidroelétricas, ferrovias, rodovias, portos, sistemas de telecomunicações, enfim, toda a infra-estrutura que o processo de industrialização exigia. Um instrumento estratégico, em resumo, capaz de viabilizar a política de desenvolvimento de longo prazo, incumbido de dar apoio ás áreas escolhidas como prioritárias.
É, portanto, incrível que, de uma penada, o governo tenha cancelado o próprio motivo de criação do banco, ao proibir que ele financiasse as estatais, que passaram então a depender de seus próprios lucros- ou de empréstimos internacionais-para a execução de seus projetos.”

Para nós, restam dúvidas, entre elas:
-Como classificar o governo FHC?
-Como ficará o governo FHC situado na história da nação brasileira?

Nota ¹ - Leituras recomendadas:

a) Para quem se interessa pela questão tributária no governo FHC, o artigo injustiça tributária. Este texto foi publicado no número 150 da revista Caros Amigos, de setembro de 2009 e na versão on line da mesma revista.

b) Sobre a atuação de Fernando Henrique Cardoso, como ministro da fazenda, a entrevista do delegado da polícia federal Protógenes Queiróz, nas versões impressa e on line.

c) A famosa entrevista concedida por Aloysio Biondi à mesma revista no ano de 1998 nas versões impressa e on line. O acervo deixado pelo jornalista encontra-se em poder da UNICAMP.

d) Aloysio Biondi- resistência, ética e grandeza no jornalismo, trabalho de conclusão de curso em jornalismo de Thais Sawaya Pereira na faculdade de jornalismo Casper Líbero.

PS -(21.12.2011)-

Há uma clara vinculação entre a obra de Aloysio Biondi em seu livro O Brasil privatizado e a de Amaury Ribeiro Junior, em seu livro A privataria tucana. Ambos são retratos complementares dos oito anos do governo FHC e seu neoliberalismo. Mais ainda, a obra de Amauri Junior, lançada ao público em dezembro de 2011, é uma continuidade e ampliação do trabalho pioneiro de Biondi. Amaury foi aos porões do governo FHC, quando o patrimônio do povo brasileiro migrou para as mãos privadas. Ele é um competente jornalista brasileiro, ganhador mais de uma vez do prêmio Esso de jornalismo, tendo vivido mais de dez anos de sua vida dedicados à pesquisa dos oito anos do governo de FHC e Serra. Em seu livro, só de documentos, são mais de cem páginas, que mostram claramente o que aconteceu no processo de privatização comandado pela dupla Serra e FHC.

*Economista formado pela USP

Quem é quem?

*Leon Bevilaqua


Fernando Báez é intelectual latino- americano da atualidade, viajante e pesquisador erudito e minucioso das terras do Iraque, conhecido e reverenciado internacionalmente à direita e à esquerda do espectro ideológico. Isto, não só pela inegável competência, mas também pela sua integridade.
Como resultado de um estudo de doze anos, apresentou-nos a obra História universal da destruição dos livros, publicada no Brasil pela Ediouro. Nela, nos deparamos com uma visão assustadora da devastação sistemática da cultura e dos livros, que se iniciou no mundo antigo, até a catástrofe mais recente: a destruição de um milhão de livros no Iraque como conseqüência de uma guerra absurda.
É de consenso, entre os mais realistas, que os Estados Unidos atacaram o Iraque não só para assegurarem seu suprimento de petróleo, como também seus privilégios monetários e cambiais naquela nação. Após a ocupação, estabeleceram que aquele país deveria ter como reserva cambial, principalmente, o dólar e não o euro e outras moedas, como pretendia e começou a fazer o governo anterior.
Estudiosos afirmam que a destruição dos bens culturais e da cultura no Iraque decorrem da necessidade inexorável do dominador impor sua cultura sobre a do dominado.
De forma irrepreensível, o autor apresenta uma lista de prejuízos culturais causados por fogo criminoso ao longo do tempo, ficando evidenciado que a maior vítima de tantos crimes é a própria humanidade, pois “onde queimam livros, acabam queimando homens”, como disse o poeta alemão Heinrich Heine.
Abaixo, por serem elucidativos do assunto abordado, finalizamos transcrevendo os três tópicos seguintes do livro:

-1-

“ Declaração de um jovem da Universidade de Bagdá: ‘Algum dia alguém queimará a biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, e não haverá tanta perda como a que houve aqui.’ Ao se considerar a importância cultural do Iraque se deve recordar que o país contém centenas de lugares declarados Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Nessas terras Nínive, onde Assurbanipal governou; Uruk, onde foram encontradas as primeiras amostras de escrita; Assur, capital do império assírio; Hatra e Babilônia.”

-2-

“ Quem são os responsáveis pela destruição cultural do Iraque?
Atribuo a maior parte da culpa à atual administração dos Estados Unidos, que ignorou todas as advertências e violou a Convenção de Haia de 1954 ao não proteger os centros culturais e estimular, por meio de uma propaganda de ódio, os saques. Também incorreu em delito de crimes contra o patrimônio cultural, expostos no Protocolo de 1999. Talvez seja também por isso que o governo Bush tenha pedido imunidade para oficiais e soldados ante possíveis processos nos tribunais penais internacionais. Talvez também por isso decidiu retornar à Unesco, e enviou sua mulher para negociar cargos executivos dentro da organização, despedir os assessores mais incômodos e silenciar qualquer crítica.”

-3-

“ O Iraque, pelo que descrevi e por tudo, é agora uma nação árabe ocupada pela força estrangeira mais repudiada no oriente médio, uma nação empobrecida por décadas de guerra, assolada por conflitos religiosos e atentados terroristas, em crise econômica, que sofre racionamento de alimentos, sem remédios nos hospitais, e , como se não bastasse, sua memória foi apagada, espoliada e subjugada. No Iraque se cometeu o primeiro memoricídio do século XXI.
Pode-se imaginar um destino pior para a região onde começou a nossa civilização?”


*Economista formado pela USP