terça-feira, 1 de dezembro de 2009

ELEIÇÕES BRASILEIRAS DE 2010

Leon Bevilaqua


Estamos no fim de 2009 e o risco de moratória de Dubai- que foi socorrido financeiramente em dezembro, a situação financeira precária na Ucrânia, Romênia e países bálticos, indicam que a superação da crise econômica a nível mundial está, provavelmente, distante e difícil.
Apesar desse momento econômico internacional, o Brasil segue em águas relativamente tranqüilas devido a várias razões, dentre as quais a decidida atitude do governo federal que soube, até o momento, como manter consumo, emprego¹ e renda.
Quando a crise se manifestou claramente, em 2008, a lógica privativista fez com que o crédito bancário fosse drasticamente reduzido e o perigo do desemprego se alastrasse mundialmente.
Contudo, no Brasil, o Presidente da República incentivou o consumo. Ele apostou que a manutenção de um mercado ativo com bom nível de consumo, impediria que o país fosse fortemente atingido pela crise que afligiu o mundo². No entanto, o crescimento do PIB, em 2009, foi próximo de zero.
Dada a existência de um setor bancário estatal saudável, pode o presidente – utilizando renúncias fiscais (redução do IPI da linha branca, por exemplo)- dar crédito e sustentação ao consumo e emprego da população e das empresas. Como conseqüência, houve aumento do endividamento público.
Além disso, há outras condicionantes determinando a favorável situação. Entre essas condicionantes está a determinação brasileira de diversificação das exportações, a qual diminuiu a dependência do mercado norte-americano e transformou a China em nosso principal comprador. A política de distribuição de renda encontra-se entre as principais medidas que estão nos encaminhando rumo à universalização de uma renda monetária básica.
A própria crise e seu desenrolar estão a evidenciar certos fatos. A necessidade de estados nacionais suficientemente fortes para apoiar as atividades econômicas nos momentos adversos, mostra a falência da tese neoliberal do estado mínimo. Assim sendo, com o objetivo de fortalecer o nosso estado nacional e evitar futuros gargalos na produção, no desenvolvimento e segurança nacionais, é preciso que cheguemos a ter um governo federal com coragem e força para anular as privatizações sustentadas por ações espúrias, constituindo atos jurídicos imperfeitos.
A privatização da Vale do Rio Doce, empreendida pela dupla Fernando Henrique Cardoso e José Serra, é certamente uma das indevidas privatizações que debilitaram o país.
O bom ou mau destino da nação será decidido nas eleições de 2010. Se o setor político nacionalista e desenvolvimentista – que respeita o povo- for escolhido, elegendo nosso presidente, a nação chegará mais rápido ao decente futuro que é esperado. Caso contrário, com a vitória daqueles que não respeitam e nem acreditam no potencial do nosso povo, amargos serão os anos dos brasileiros que encontrar-se-ão nas mãos de políticos elitistas³ incapazes de manter a posse de nossas grandes e rentáveis empresas estatais e a margem de soberania nacional. Torçamos para que o bom senso e o equilíbrio predominem.


¹ Terminamos o ano de 2009 com um saldo de 995.110 empregos criados, segundo o Ministério do Trabalho. Foram 415.192 a menos que em 2008.


² No restante do mundo e em nosso país, questões fundamentais de inclusão social e sustentabilidade ambiental, não estão sendo devidamente enfrentadas. O ano de 2009 terminará com uma produção mundial em torno de 52 milhões de veículos, sendo 25% deles produzidos pela China. Basta esse dado para que se tenha um seguro indicador de que se deve buscar
novos paradigmas de produção e consumo. A continuidade dessa situação acarretará a ocorrência de novas crises, dada a insustentabilidade ambiental deste padrão de produção e consumo que tenta perpetuar o american way of life, ou seja, o consumo exacerbado. Sabe-se que níveis de crescimento econômico continuados, direcionados a satisfazer demandas por bens de consumo não essenciais, são incompatíveis com um processo de desenvolvimento sustentável, o que evidencia a carência de mudanças nos padrões de consumo materiais atuais.


³ A proposta do atual governo federal de institucionalização dos mais recentes êxitos das políticas sociais - (uma consolidação das leis sociais- CLS) tem por objetivo evitar que governos não ligados aos interesses do povo, quando eleitos, tragam o constrangimento da descontinuidade temporal das política públicas voltadas para as necessidades da população. Esta preocupação tem pertinência. É preciso levar em consideração que nada garante que uma lei continue a vigorar. No fundo, as leis são sempre fruto das relações de poder do momento em que são elaboradas. Se as relações mudarem, há a possibilidade de revogação dessas leis. Ressalte-se os estragos que mal intencionados e outros fizeram na CLT, tão bem elaborada. Acrescente-se que fazer uma CLS decente é uma tarefa que exige tempo e este será curto até o próximo mandato presidencial. Assinale-se, ainda, que a CLT é instrumental do direito privado e a CLS, que se deseja implementar será instrumental de direito público.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Aloysio Biondi, um jornalista sacerdote

*Leon Bevilaqua


Muita gente já passou a celebrar a vida e a obra do jornalista econômico Aloysio Biondi, um paulista patriota que teve atuação marcante na segunda metade do século passado.
Ele nasceu em Caconde, pequena cidade de São Paulo, no ano de 1936, tendo morrido no ano de 2000, na cidade de São Paulo, aos 64 anos. Destacou-se pelo seu trabalho na imprensa alternativa, com a qual colaborou durante toda a vida, principalmente no período em que foi colaborador do jornal Opinião- na década de 70.
Foi autor do livro reportagem O Brasil Privatizado- um balanço do desmonte do Estado, que já vendeu mais de 125 mil exemplares e se tornou fundamental para se compreender o governo de Fernando Henrique e o empobrecimento da nação por ele provocado.
Trabalhou em diversas publicações da grande imprensa brasileira, entre elas as revistas Veja e Visão, os jornais Gazeta Mercantil, jornal do Comércio, Folha de São Paulo e outros.
Segundo Jânio de Freitas, como características de sua trajetória de vida, foi independente, patriota combativo, ético e capaz nas análises econômicas por ele efetuadas. Considerado por muitos um sacerdote do jornalismo, ninguém soube como ele o sentido real, os pormenores e as conseqüências das decisões econômicas e monetárias.
Por ocasião da nefasta privatização empreendida por Fernando Henrique Cardoso, que se notabilizou pela submissão do governo brasileiro aos interesses de outros países, foi, como Celso Furtado, voz da reserva moral e intelectual da nação que se colocou contra aquela decisão de governo.
Como tópicos importantes do seu livro O Brasil privatizado, transcrevemos os seguintes textos:

1- “ A febre da privatização e o impulso ao chamado neoliberalismo teve seu ponto de partida na Inglaterra, com a primeira ministra Margaret Thatcher. Mas mesmo a ‘dama de ferro’ fez tudo diferente do governo Fernando Henrique Cardoso: a privatização inglesa não representou a doação de empresas estatais, a preços baixos, a poucos grupos empresariais. Ao contrário: seu objetivo foi exatamente a ‘pulverização’ das ações, isto é, transformar o maior número possível de cidadãos ingleses em ‘donos’ de ações, acionistas das empresas privatizadas. Não foi só blábláblá, não. O governo inglês criou ‘prêmios’, incentivos para qualquer cidadão comprar ações: quem não as revendesse antes de certo prazo tinha o direito de ‘ ganhar’ determinadas quantias, em datas já marcadas no momento da compra (o sistema se baseava na distribuição de custumer vouchers, espécie de cupons que eram trocados por dinheiro nos prazos previstos). Ou ainda: após três anos, os acionistas que tivessem guardado as ações podiam ganhar também ‘lotes extras’ dos títulos, geralmente na proporção de 10% sobre o número de ações compradas. Isto na Inglaterra de Thatcher, nos anos 80. Na França, a mesma coisa. Na privatização parcial das empresas de telecomunicações, em 1998, nada menos de 4 milhões de franceses compraram ações, graças aos atrativos oferecidos pelo governo.”

2- “ Numa sexta-feira, cinco dias antes do leilão de ‘privatização’ da Cemig, empresa de energia de Minas Gerais, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou um decreto revolucionário. Por ele, o BNDES ficou ‘autorizado’ a –leia-se ‘recebeu ordens para’- conceder empréstimos também a grupos estrangeiros. Reviravolta histórica- e inconcebível. Criado para dar apoio ao desenvolvimento nacional, o banco estatal se concentrou inicialmente no financiamento a projetos de infra-estrutura e, posteriormente, como instrumento de política industrial, recebeu a incumbência de criar condições de competição para grupos nacionais. Para cumprir esse papel, o BNDES estava proibido por lei de financiar empresas estrangeiras. O decreto presidencial de 24 de maio de 1997 escancarou os cofres do BNDES às multinacionais, para que comprassem estatais. Isto ao mesmo tempo que o banco continuava proibido de conceder empréstimos exatamente às estatais brasileiras, incumbidas dos setores de infra-estrutura e básicos. Na quarta-feira seguinte, um grupo norte-americano comprou um bloco de um terço das ações da Cemig por 2 bilhões de reais, com metade deste valor financiado pelo BNDES.

3- “ Proibir um banco estatal de financiar empresas estatais, de setores vitais para o país, é uma decisão esdrúxula. Mas, no caso do BNDES, chega à beira da insanidade, porque esse banco, como o próprio nome-Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (e Social)-diz, foi criado no governo Juscelino Kubitschek exatamente com o objetivo de fornecer recursos para a execução de projetos de infra-estrutura, que exigem desembolso de bilhões e bilhões- e precisam de alguns anos para a sua execução. Mais especificamente, dentro da filosofia desenvolvimentista do governo de JK, o BNDES disporia de recursos retirados do Imposto de Renda ( e outras fontes de ‘impostos’, como o PIS-Pasep), para permitir a construção de Usinas hidroelétricas, ferrovias, rodovias, portos, sistemas de telecomunicações, enfim, toda a infra-estrutura que o processo de industrialização exigia. Um instrumento estratégico, em resumo, capaz de viabilizar a política de desenvolvimento de longo prazo, incumbido de dar apoio ás áreas escolhidas como prioritárias.
É, portanto, incrível que, de uma penada, o governo tenha cancelado o próprio motivo de criação do banco, ao proibir que ele financiasse as estatais, que passaram então a depender de seus próprios lucros- ou de empréstimos internacionais-para a execução de seus projetos.”

Para nós, restam dúvidas, entre elas:
-Como classificar o governo FHC?
-Como ficará o governo FHC situado na história da nação brasileira?

Nota ¹ - Leituras recomendadas:

a) Para quem se interessa pela questão tributária no governo FHC, o artigo injustiça tributária. Este texto foi publicado no número 150 da revista Caros Amigos, de setembro de 2009 e na versão on line da mesma revista.

b) Sobre a atuação de Fernando Henrique Cardoso, como ministro da fazenda, a entrevista do delegado da polícia federal Protógenes Queiróz, nas versões impressa e on line.

c) A famosa entrevista concedida por Aloysio Biondi à mesma revista no ano de 1998 nas versões impressa e on line. O acervo deixado pelo jornalista encontra-se em poder da UNICAMP.

d) Aloysio Biondi- resistência, ética e grandeza no jornalismo, trabalho de conclusão de curso em jornalismo de Thais Sawaya Pereira na faculdade de jornalismo Casper Líbero.

PS -(21.12.2011)-

Há uma clara vinculação entre a obra de Aloysio Biondi em seu livro O Brasil privatizado e a de Amaury Ribeiro Junior, em seu livro A privataria tucana. Ambos são retratos complementares dos oito anos do governo FHC e seu neoliberalismo. Mais ainda, a obra de Amauri Junior, lançada ao público em dezembro de 2011, é uma continuidade e ampliação do trabalho pioneiro de Biondi. Amaury foi aos porões do governo FHC, quando o patrimônio do povo brasileiro migrou para as mãos privadas. Ele é um competente jornalista brasileiro, ganhador mais de uma vez do prêmio Esso de jornalismo, tendo vivido mais de dez anos de sua vida dedicados à pesquisa dos oito anos do governo de FHC e Serra. Em seu livro, só de documentos, são mais de cem páginas, que mostram claramente o que aconteceu no processo de privatização comandado pela dupla Serra e FHC.

*Economista formado pela USP

Quem é quem?

*Leon Bevilaqua


Fernando Báez é intelectual latino- americano da atualidade, viajante e pesquisador erudito e minucioso das terras do Iraque, conhecido e reverenciado internacionalmente à direita e à esquerda do espectro ideológico. Isto, não só pela inegável competência, mas também pela sua integridade.
Como resultado de um estudo de doze anos, apresentou-nos a obra História universal da destruição dos livros, publicada no Brasil pela Ediouro. Nela, nos deparamos com uma visão assustadora da devastação sistemática da cultura e dos livros, que se iniciou no mundo antigo, até a catástrofe mais recente: a destruição de um milhão de livros no Iraque como conseqüência de uma guerra absurda.
É de consenso, entre os mais realistas, que os Estados Unidos atacaram o Iraque não só para assegurarem seu suprimento de petróleo, como também seus privilégios monetários e cambiais naquela nação. Após a ocupação, estabeleceram que aquele país deveria ter como reserva cambial, principalmente, o dólar e não o euro e outras moedas, como pretendia e começou a fazer o governo anterior.
Estudiosos afirmam que a destruição dos bens culturais e da cultura no Iraque decorrem da necessidade inexorável do dominador impor sua cultura sobre a do dominado.
De forma irrepreensível, o autor apresenta uma lista de prejuízos culturais causados por fogo criminoso ao longo do tempo, ficando evidenciado que a maior vítima de tantos crimes é a própria humanidade, pois “onde queimam livros, acabam queimando homens”, como disse o poeta alemão Heinrich Heine.
Abaixo, por serem elucidativos do assunto abordado, finalizamos transcrevendo os três tópicos seguintes do livro:

-1-

“ Declaração de um jovem da Universidade de Bagdá: ‘Algum dia alguém queimará a biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, e não haverá tanta perda como a que houve aqui.’ Ao se considerar a importância cultural do Iraque se deve recordar que o país contém centenas de lugares declarados Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Nessas terras Nínive, onde Assurbanipal governou; Uruk, onde foram encontradas as primeiras amostras de escrita; Assur, capital do império assírio; Hatra e Babilônia.”

-2-

“ Quem são os responsáveis pela destruição cultural do Iraque?
Atribuo a maior parte da culpa à atual administração dos Estados Unidos, que ignorou todas as advertências e violou a Convenção de Haia de 1954 ao não proteger os centros culturais e estimular, por meio de uma propaganda de ódio, os saques. Também incorreu em delito de crimes contra o patrimônio cultural, expostos no Protocolo de 1999. Talvez seja também por isso que o governo Bush tenha pedido imunidade para oficiais e soldados ante possíveis processos nos tribunais penais internacionais. Talvez também por isso decidiu retornar à Unesco, e enviou sua mulher para negociar cargos executivos dentro da organização, despedir os assessores mais incômodos e silenciar qualquer crítica.”

-3-

“ O Iraque, pelo que descrevi e por tudo, é agora uma nação árabe ocupada pela força estrangeira mais repudiada no oriente médio, uma nação empobrecida por décadas de guerra, assolada por conflitos religiosos e atentados terroristas, em crise econômica, que sofre racionamento de alimentos, sem remédios nos hospitais, e , como se não bastasse, sua memória foi apagada, espoliada e subjugada. No Iraque se cometeu o primeiro memoricídio do século XXI.
Pode-se imaginar um destino pior para a região onde começou a nossa civilização?”


*Economista formado pela USP

quarta-feira, 15 de abril de 2009

CELSO FURTADO, UM BRASILEIRO EXEMPLAR

* Leon Bevilaqua

-I-
O nascimento e a morte


A espécie humana vive assediada por males que, em sua maioria, são provocados pelo próprio homem. Por isso é tão importante falar-se das pessoas exemplares, dos que sacrificam suas vidas em benefício de seus semelhantes. Numa época em que o neoliberalismo ainda pontifica, embora já desacreditado e chamado por muitos de neocolonialismo, acarretando males terríveis aos povos dependentes, convém lembrar o nome e a obra de Celso Monteiro Furtado. Ele foi pensador rigoroso que morreu após infarto em sua casa no Rio de Janeiro, na manhã de 20 de novembro de 2004, aos 84 anos, após haver desvendado as causas e conseqüências da secular má gestão do Brasil. Deixou viúva a jornalista e tradutora de obras literárias em espanhol, francês e itailiano, Rosa Freire D’ Aguiar, que em mais de 20 anos do final de sua vida muito o influenciou em suas atividades intelectuais.
Celso Furtado,filho de magistrado e de família adepta da meritocracia, nascido na pequena cidade de Pombal, no sertão árido paraibano, em 26 de julho de 1920, era mais patriota do que nacionalista, tendo cativado leitores do mundo todo com sua prosa erudita e articulada, direcionada para fazer a melhor exposição possível da problemática econômica de sua época.

-II-
O episódio da cassação


Segundo Francisco de Oliveira, sociólogo e assessor de Celso por alguns anos, a dignidade de Celso prescindia, e mais, se horrorizava com os procedimentos de auto-heroização. Ela era tão contundente frente aos padrões predominantes no Brasil que mal se pode acreditar.
Ainda de acordo com Francisco, nos fecundos anos em que trabalhou sob a liderança de Celso, presenciou desde o gesto aparentemente insignificante de partilhar o mesmo quarto num hotel na Bahia, para não estimular gastos perdulários com dinheiro público, até a sua firme e decidida reprimenda ao golpista general Justino Alves Bastos.
No Recife, na aparente calma da tarde de 1° de abril de 1964, aquele militar comandante do quarto exército se queixou ao próprio Furtado de que esse não havia colaborado no transcorrer da tomada do poder pelos militares.
Celso respondeu sem bravatas que era um servidor público, que o exército não solicitasse sua colaboração para um golpe de estado que havia destituído o governo legitimamente eleito, o que repugnava às suas convicções republicanas; logo ele que fora oficial voluntário da FEB.
Desta áspera conversa, o nome de Celso saiu para a primeira e nefasta lista de cassações de direitos políticos.
Poucos cientistas sociais podem se orgulhar de terem visto suas idéias transformarem-se em força social e política; a obra de Celso Furtado passou por essa dura prova da história.
Há a possibilidade, de na sua hora final, Celso ter pensado com amargura no destino da nação à qual dedicou o melhor de suas forças e de seu talento. Nós, seus discípulos, sabemos que nada foi em vão, que suas idéias continuarão a fecundar os intelectos brasileiros, possibilitando ao nosso povo conquistar seus direitos. Nosso futuro será invejado e não composto por ruínas.


-III-
O prestígio e a austeridade


Era tal o seu prestígio que, mesmo após ter sido cassado pelo regime militar de 1964, estando no exílio, seus livros eram adotados pela Universidade de São Paulo nas décadas de 60 e 70 do século passado. Seu livro mais conhecido, Formação Econômica do Brasil, de 1959, editado até hoje pela Companhia Editora Nacional, tornou-se um clássico do qual ainda se recomenda como importante a leitura, tendo sido traduzido e publicado em mais de 50 países.
As vicissitudes que levaram o professor Furtado a passar mais de metade da vida no estrangeiro, fizeram-no perceber e escrever a respeito da posição do Brasil no quadro internacional. Sabia que suas habilidades como caçador de votos eram limitadas e nunca chegou a levar adiante um projeto político.
Ele foi o criador da SUDENE no governo JK, ministro de João Goulart- em 1963, ministro da cultura de Sarney – em 1986, titular de uma cadeira na academia brasileira de letras desde agosto de 1997, jamais tendo requisitado jatinhos para viagens particulares ou cogitado ir até a televisão para levar adiante projetos pessoais. Também nunca fez nenhum tipo de serviço para empresas, nem mesmo pareceres. Íntegro, austero, nunca se deixou seduzir por idéias da moda ou eventuais recompensas pessoais.
Não há dúvida, até a atualidade, Celso é o economista mais importante do Brasil, um homem que pensou com grandeza no desenvolvimento da pátria. Foi um brasileiro marcado pela coerência, pelo compromisso com o desenvolvimento e, por conseqüência, com o bem do povo.



-IV-
Palavras amargas


Mesmo quando modificou diagnósticos ou retificou suas propostas, manteve sempre fidelidade ao seu ideal, de elaborar um pensamento voltado para a ação. Acreditando que as reformas das estruturas levam com mais certeza ao aperfeiçoamento das instituições, optou por uma proposta reformista, de um desenvolvimento econômico socialmente justo. Não considerar este propósito impediria avaliação mais correta do intelectual e sua obra.
Pela gentileza no trato, dificilmente falava palavras amargas, mas ao constatar a nefasta privatização empreendida por Fernando Henrique Cardoso não se conteve e proferiu as seguintes palavras:
“O momento histórico era o começo do governo Fernando Henrique. Faltou imaginação política ou coragem cívica, não sei. Reconheço que ele não esteve à altura do desafio que o Brasil enfrentou. A menos que se diga que faltou a ele percepção da grandeza histórica do momento.” Em novembro de 2001.
Segundo Celso, “Fernando Henrique Cardoso quebrou o Estado e endividou o país até as orelhas.”



-V-
Sem máculas


Como se vê, Celso não foi um economista com as máculas de muitos dos economistas da atualidade, ou seja, não foi fascinado pela economia de mercado, nem teve carreira puramente financeira. Ele sempre acreditou que nosso povo será capaz de fazer de nosso país uma nação digna e civilizada. Sabia da importância do brasileiro, tanto que foi o primeiro economista a dizer que sem cultura não há identidade.
Muitos acreditam que as idéias de Celso, a partir de sua morte, terão repercussão ainda maior do que em sua honesta e densa vida. Nós o perdemos, mas é preciso que guardemos seus ideais.


-VI-
“O Longo amanhecer” –um filme biografia


José Mariane, cineasta brasileiro de talento realizou o documentário “O longo amanhecer”, traçando perfil aprofundado do economista paraibano.
O filme contou com rico material de arquivo, reconstituindo a época de atuação de Furtado.
A espinha dorsal deste documentário está numa longa entrevista feita com Furtado em 2004, cinco meses antes de sua morte.
Apesar da voz vacilante, Furtado mostra-se perfeitamente lúcido, discorrendo sobre seus temas da vida inteira, principalmente a necessidade do Brasil superar as desigualdades sociais em sua rota de desenvolvimento.
A avaliação da obra de Furtado é feita através de entrevistas com intelectuais como Francisco de Oliveira, João Manoel Cardoso de Mello, Antônio Barros de Castro e outros.
As participações mais apaixonadas vêm da economista Maria da Conceição Tavares, que enfatiza a importância do legado do mestre, a quem chama carinhosamente de “velho”.


-VII-
Uma metáfora



Finalizando, para aqueles que ainda se iludem com as belas e falsas palavras do neoliberalismo, queremos transcrever aqui uma impressionante metáfora que mestre Celso Furtado nos deixou, por ser ainda válida:
“As grandes empresas, com suas técnicas avançadas e maciças concentrações de capital, têm o mesmo efeito nas economias subdesenvolvidas que aquelas enormes e exóticas árvores que sugam toda a água e secam uma área inteira...” Por conseguinte, conclui Furtado, “na América Latina o desenvolvimento não pode ser o simples resultado de forças atuantes do mercado. Só uma política consciente e deliberada do governo pode realmente levar ao desenvolvimento.”
Diante desta e muitas outras razões, torna-se evidente que os estados latino-americanos e africanos não podem ser mínimos, como receitam os neoliberais, a não ser que se tenha por objetivo para eles a subordinação e a miséria.


Notas:

¹ Celso furtado, em sua patriótica luta contra a Alca, afirmou que ela ameaçava até mesmo a integridade territorial do Brasil. Os tucanos lutaram muito para que nós fôssemos integrantes da Alca. FHC- em 2001 no Canadá, em reunião preparatória para o estabelecimento da Alca, assegurou aos representantes dos demais países das Américas que nós dela, em breve, passaríamos a ser membro. Esta aberração contra os interesses nacionais só não se concretizou graças ao firme trabalho de Lula, a partir do seu mandato presidencial iniciado em 2003.

² Sabe-se que uma das características fundamentais de um clássico é a possibilidade de infinitas e renovadas leituras. "Formação Econômica do Brasil", vinda a público em janeiro de 1959, 50 anos depois de sua publicação- em 2009- já havia se tornado clássica. Neste ano, ganhou sua primeira edição comemorativa, organizada pela viúva de Celso Furtado, Rosa Freire D'Aguiar Furtado. A introdução dessa edição foi feita por felipe de Alencastro, velho amigo de Celso Furtado. Esta edição comemorativa, em seu conjunto, reune, além do texto de Celso Furtado, a fortuna crítica que se seguiu ao aparecimento da obra que é um dos mais importantes livros de história econômica já escritos. Esta edição foi editada pela Companhia das Letras.

³
a) Em 27/03/2009, foi inaugurada a Escola Municipal Celso Monteiro Furtado - no bairro João Paulo Segundo, em João Pessoa, Paraíba.

b) Em 25/09/2009, No Edifício do BNDS, no centro da cidade do Rio de Janeiro, foi inaugurada a biblioteca Celso Furtado. Ela é digitalizada, tendo aproximadamente 7500 títulos de livros, uma videoteca com entrevistas de Celso Furtado e filmagens dos cursos e seminários realizados pelo Centro Internacional Celso Furtado. Todas as 3 bibliotecas pessoais de Celso Furtado foram transferidas para a biblioteca do prédio do BNDS.

c) O navio petroleiro Celso Furtado foi lançado ao mar em 24 de junho de 2010, sendo a primeira encomenda da Petrobrás ao estaleiro fluminense Mauá, situado em Niterói, próximo à ponte do Rio Niterói. Ele é o casco de número 199 do Estaleiro. Segundo afirmação do presidente Lula, em maio de 2010 - por ocasião do batismo do petroleiro João Cândido, em Recife, ele mesmo escolheu o nome Celso Furtado para o navio de transportes da Petrobrás. Segundo alguns, é um tanto atípico um presidente da República escolher nomes para navios.

d) As recentes homenagens prestadas a Celso Furtado, refletem a revalorização do seu pensamento após a derrocada do pensamento neoliberal evidenciada nas fases da crise econômica manifestadas após 2008.

e) Em 1997, a Editora Paz e Terra publicou, em três volumes, a autobiografia de Celso Furtado. Esta obra possibilita conhecer o perfil de grandes políticos contemporâneos de Celso Furtado, entre eles Juscelino Kubstchek e o Tucano Fernando Henrique Cardoso.

*Economista formado pela USP